Os
sete saberes necessários à educação do futuro não têm nenhum programa educativo,
escolar ou universitário. Aliás, não estão concentrados no primário, nem no secundário,
nem no ensino universitário, mas abordam problemas específicos para cada um desses
níveis. Eles dizem respeito aos setes buracos negros da educação, completamente
ignorados, subestimados ou fragmentados nos programas educativos. Programas esses
que, na minha opinião, devem ser colocados no centro das preocupações sobre a
formação dos jovens, futuros cidadãos.
O Conhecimento.
O
primeiro buraco negro diz respeito ao
conhecimento. Naturalmente, o ensino fornece conhecimento, fornece saberes.
Porém, apesar de sua fundamental importância, nunca se ensina o que é, de fato,
o conhecimento. E sabemos que os maiores problemas neste caso são o erro e a
ilusão.
Ao
examinarmos as crenças do passado, concluímos que a maioria contém erros e ilusões.
Mesmo quando pensamos em vinte anos atrás, podemos constatar como erramos e nos
iludimos sobre o mundo e a realidade. E por que isso é tão importante? Porque o
conhecimento nunca é um reflexo ou espelho da realidade. O conhecimento é
sempre uma tradução, seguida de uma reconstrução. Mesmo no fenômeno da
percepção, através do qual os olhos recebem estímulos luminosos que são
transformados, decodificados, transportados a um outro código, que transita
pelo nervo ótico, atravessa várias partes do cérebro para, enfim, transformar
aquela informação primeira em percepção. A partir deste exemplo, podemos
concluir que a percepção é uma reconstrução.
Tomemos
um outro exemplo de percepção constante: a imagem do ponto de vista da retina.
As pessoas que estão próximas parecem muito maiores do que aquelas que estão mais
distantes, pois à distância, o cérebro não realiza o registro e termina por
atribuir uma dimensão idêntica para todas as pessoas. Assim como os raios
ultravioletas e infravermelhos que nós não vemos, mas sabemos que estão aí e
nos impõem uma visão segundo as suas incidências. Portanto, temos percepções,
ou seja, reconstruções, traduções da realidade. E toda tradução comporta o
risco de erro. Como dizem os italianos “tradotore/traditore”.
Também
sabemos que não há nenhuma diferença intrínseca entre uma percepção e uma
alucinação. Por exemplo: se tenho uma alucinação e vejo Napoleão ou Júlio
César, não há nada que me diga que estou enganado, exceto o fato de saber que
eles estão mortos. São os outros que vão me dizer se o que vejo é verdade ou
não. Quero dizer com isso que estamos sempre ameaçados pela alucinação. Até nos
processos de leitura isto acontece. Nós sabemos que não seguimos a linha do que
está escrito, pois, às vezes, nossos olhos saltam de uma palavra para outra e
reconstrói o conjunto de uma maneira quase alucinatória. Neste momento, é o
nosso espírito que colabora com o que nós lemos. E não reconhecemos os erros
porque deslizamos neles. O mesmo acontece, por exemplo, quando há um acidente
de carro. As versões e as visões do acidente são completamente diferentes, principalmente
pela emoção e pelo fato das pessoas estarem em ângulos diferentes.
No
plano histórico há erros, se me permitem o jogo de palavras, histéricos. Tomemos
um exemplo um pouco distante de nós: os debates sobre a Primeira Guerra
Mundial. Uma época em que a França e a Alemanha tinham
partidos socialistas fortes, potentes e muito pacifistas, e que, evidentemente,
eram contrários à guerra que se anunciava. Mas, a partir do momento em que se
desencadeou a guerra, os dois partidos se lançaram, massivamente a uma campanha
de propaganda, cada um imputando ao outro os atos mais ignóbeis. Isto durou até
o fim da guerra. Hoje, podemos constatar com os eventos trágicos do Oriente
Médio a mesma maneira de tratar a informação. Cada um prefere camuflar a parte
que lhe é desvantajosa para colocar em relevo a parte criminosa do outro.
Este
problema se apresenta de uma maneira perceptível e muito evidente, porque as traduções
e as reconstruções são também um risco de erro e muitas vezes o maior erro é pensar
que a idéia é a realidade. E tomar a idéia como algo real é confundir o mapa
com o terreno.
Outras causas de erro são as diferenças
culturais, sociais e de origem. Cada um pensa que suas idéias são as mais
evidentes e esse pensamento leva a idéias normativas. Aquelas que não
estão dentro desta norma, que não são consideradas normais, são julgadas como
um desvio patológico e são taxadas como ridículas. Isso não ocorre somente no domínio
das grandes religiões ou das ideologias políticas, mas também das ciências. Quando
Watson e Crick decodificaram a estrutura do código genético, o DNA (ácido desoxirribonucléico),
surpreenderam e escandalizaram a maioria dos biólogos, que jamais imaginavam
que isto poderia ser transcrito em moléculas químicas. Foi preciso muito tempo
para que essas idéias pudessem ser aceitas.
Na
realidade, as idéias adquirem consistência como os deuses nas religiões. É algo
que nos envolve e nos domina a ponto de nos levar a matar ou morrer. Lenin
dizia: “Os fatos são teimosos, mas, na realidade, as idéias são ainda mais
teimosas do que os fatos e resistem aos fatos durante muito tempo”. Portanto, o
problema do conhecimento não deve ser um problema restrito aos filósofos. É um
problema de todos e cada um deve levá-lo em conta desde muito cedo e explorar
as possibilidades de erro para ter condições de ver a realidade, porque não
existe receita milagrosa.
O Conhecimento Pertinente.
O
segundo buraco negro é que não ensinamos as condições de um conhecimento pertinente, isto é, de um
conhecimento que não mutila o seu objeto. Nós seguimos, em primeiro lugar, um
mundo formado pelo ensino disciplinar. É evidente que as disciplinas de toda
ordem ajudaram o avanço do conhecimento e são insubstituíveis. O que existe entre
as disciplinas é invisível e as conexões entre elas também são invisíveis. Mas
isto não significa que seja necessário conhecer somente uma parte da realidade.
É preciso ter uma visão capaz de situar o conjunto. É necessário dizer que não
é a quantidade de informações, nem a sofisticação em Matemática que podem dar
sozinhas um conhecimento pertinente, mas sim a capacidade de colocar o
conhecimento no contexto.
A
economia, que é das ciências humanas, a mais avançada, a mais sofisticada, tem um
poder muito fraco e erra muitas vezes nas
suas previsões, porque está ensinando de modo a privilegiar o cálculo.
Com isso, acaba esquecendo os aspectos humanos, como o sentimento, a paixão, o
desejo, o temor, o medo. Quando há um problema na bolsa, quando as ações
despencam, aparece um fator totalmente irracional que é o pânico, e que, freqüentemente,
faz com que o fator econômico tenha a ver com o humano, ligando-se, assim, à
sociedade, à psicologia, à mitologia. Essa realidade social é multidimensional
e o econômico é apenas uma dimensão dessa sociedade. Por isso, é necessário
contextualizar todos os dados.
Se
não houver, por exemplo, a contextualização dos conhecimentos históricos e geográficos,
cada vez que aparecer um acontecimento novo que nos fizer descobrir uma região
desconhecida, como o Kosovo, o Timor ou Serra Leoa, não entenderemos nada. Portanto,
o ensino por disciplina, fragmentado e dividido, impede a capacidade natural
que o espírito tem de contextualizar. E é essa capacidade que deve ser
estimulada e desenvolvida pelo ensino, a de ligar as partes ao todo e o todo às
partes. Pascal dizia, já no século XVII: “Não se pode conhecer as partes sem
conhecer o todo, nem conhecer o todo sem conhecer as partes”.
O
contexto tem necessidade, ele mesmo, de seu próprio contexto. E o conhecimento,
atualmente, deve se referir ao global. Os acidentes locais têm repercussão sobre
o conjunto e as ações do conjunto sobre os acidentes locais. Isso foi
comprovado depois da guerra do Iraque, da guerra da Iugoslávia e, atualmente,
pode ser verificado com o conflito do Oriente Médio.
A Identidade Humana.
O
terceiro aspecto é a identidade humana.
É curioso que nossa identidade seja completamente
ignorada pelos programas de instrução. Podemos perceber alguns aspectos do
homem biológico em Biologia, alguns aspectos psicológicos em Psicologia, mas a realidade
humana é indecifrável. Somos indivíduos de uma sociedade e fazemos parte de uma
espécie. Mas, ao mesmo tempo em que fazemos parte de uma sociedade, temos a sociedade
como parte de nós, pois desde o nosso nascimento a cultura se nos imprime. Nós somos
de uma espécie, mas ao mesmo tempo a espécie é em nós e depende de nós. Se nos recusamos
a nos relacionar sexualmente com um parceiro de outro sexo, acabamos com a espécie.
Portanto, o relacionamento entre indivíduo-sociedade-espécie é como a trindade divina,
um dos termos gera o outro e um se encontra no outro. A realidade humana é trinitária.
Eu
acredito possível a convergência entre todas as ciências e a identidade humana.
Um certo número de agrupamentos disciplinares vai favorecer esta convergência.
É necessário reconhecer que na segunda metade do século XX, houve uma revolução
científica, reagrupando as disciplinas em ciências pluridisciplinares. Assim,
há a cosmologia, as ciências da terra, a ecologia e a pré-história.
Tome-se
como exemplo a cosmologia, que, efetivamente, utiliza a microfísica, os aceleradores
de partículas para imaginar os primeiros segundos do universo. Ela utiliza a observação
e pratica uma reflexão filosófica sobre o mundo, assim como fizeram Hubert Reeves,
Hawkins, Michel Cassé e tantos outros. Eles refletem sobre o universo incrível
no qual vivemos. Mas o que é importante para a identidade humana é saber que
estamos neste minúsculo planeta perdidos no cosmos. Nossa missão não é mais a
de conquistar o mundo como acreditava Descartes, Bacon e Marx. Nossa missão se
transformou em civilizar o pequeno planeta em que vivemos.
Por outro lado, as ciências da terra nos
inscrevem neste planeta formado por fragmentos
cósmicos, resultados de uma explosão de sóis anteriores. Resta saber como estes
fragmentos reunidos e aglomerados puderam criar uma tal organização, uma
auto-organização, para nos dar este planeta. É necessário mostrar que ele gerou
a vida, e a nós somos, filhos da vida.
A biologia, com a teoria da evolução, nos
prova como trazemos dentro de nós, efetivamente, o processo de desenvolvimento
da primeira célula vivente, que se multiplicou e se diversificou.
Quando
sonhamos com nossa identidade, devemos pensar que temos partículas que nasceram
no despertar do universo. Temos átomos de carbono que se formaram em sóis anteriores
ao nosso, pelo encontro de três núcleos de hélio que se constituíram em moléculas
e neuromoléculas na terra. Somos todos filhos do cosmos, mas nos transformamos
em estranhos através de nosso conhecimento e de nossa cultura.
Portanto,
é preciso ensinar a unidade dos três destinos, porque somos indivíduos, mas
como indivíduos somos, cada um, um fragmento da sociedade e da espécie Homo sapiens, à qual pertencemos. E o
importante é que somos uma parte da sociedade, uma parte da espécie, seres
desenvolvidos sem os quais a sociedade não existe. A sociedade só vive com
essas interações.
È
importante, também, mostrar que, ao mesmo tempo em que o ser humano é múltiplo,
ele é parte de uma unidade. Sua estrutura mental faz parte da complexidade humana.
Portanto, ou vemos a unidade do gênero e esquecemos a diversidade das culturas e
dos indivíduos, ou vemos a diversidade das culturas e não vemos a unidade do
ser humano.
Esse
problema vem causando polêmicas desde o século XVIII, quando Voltaire disse:
“Os chineses são iguais a nós, têm paixões, choram”. E Herbart, o pensador
alemão, afirmou: “Entre uma cultura e outra não há comunicação, os seres são
diferentes”. Os dois tinham razão, mas na realidade essas duas verdades têm que
ser articuladas. Nós temos os elementos genéticos da nossa diversidade e, é
claro, os elementos culturais da nossa diversidade.
È
preciso lembrar que rir, chorar, sorrir, não são atos aprendidos ao longo da educação,
são inatos, mas modulados de acordo com a educação. Heigerfeld fez uma observação
sobre uma jovem surda-muda de nascença que ria, chorava e sorria. Atualmente,
estudos demonstram que o feto começa a sorrir no ventre da mãe. Talvez porque
não saiba o que o espera depois... Mas isso nos permite entender a nossa
realidade, nossa diversidade e singularidade.
Chegamos,
então, ao ensino da literatura e da poesia. Elas não devem ser consideradas
como secundárias e não essenciais. A literatura é para os adolescentes uma escola
de vida e um meio para se adquirir conhecimentos. As ciências sociais vêem categorias
e não indivíduos sujeitos a emoções, paixões e desejos. A literatura, ao contrário,
como nos grandes romances de Tolstoi, aborda o meio social, o familiar, o histórico
e o concreto das relações humanas com uma força extraordinária.
Podemos
dizer que as telenovelas também nos falam sobre problemas fundamentais do
homem; o amor, a morte, a doença, o ciúme, a ambição, o dinheiro. Temos que
entender que todos esses elementos são necessários para entender que a vida não
é aprendida somente nas ciências formais. E a literatura tem a vantagem de
refletir sobre a complexidade do ser humano e sobre a quantidade incrível de
seus sonhos. Como James Joyce, por exemplo, que, ao criar um personagem,
mostrava que uma pessoa pode ter sentimentos totalmente diversos. Ou como o
herói de Dostoievski, em O Idiota que
não sabe se a jovem está apaixonada por ele e ao fim da trama, depois de ter
sofrido muito, encontra um amigo que lhe diz: “mas que imbecil você é, não
entendeu que ela o ama”. Isto pode acontecer com qualquer pessoa, é a
dificuldade de saber o que o outro pensa e sente. Marcel Proust mostrou, em Um
amor de Swan, o que ele chamava de intermitências do coração, ou seja, que uma
pessoa pode se apaixonar, esquecer-se da pessoa desejada e voltar a amá-la.
Neste romance o herói sofre durante anos de ciúmes por causa de uma mulher e
quando ele já não está mais apaixonado, diz: “mas eu sofri tanto por uma mulher
que não me amava e que nem era meu tipo”.
Podemos,
então, compreender a complexidade humana através da literatura. A poesia nos
ensina a qualidade poética da vida, essa qualidade que nós sentimos diante de fatos
da realidade. Como, por exemplo, os espetáculos da natureza: o céu de Brasília
que é tão bonito. A vida não deve ser uma prosa que se faça por obrigação. A
vida é viver poeticamente na paixão, no entusiasmo.
Para
que isso aconteça, devemos fazer convergir todas as disciplinas conhecidas para
a identidade e para a condição humana, ressaltando a noção de homo sapiens; o homem racional e fazedor de
ferramentas, que é, ao mesmo tempo, louco e está entre o delírio e o
equilíbrio, nesse mundo de paixões em que o amor é o cúmulo da loucura e da sabedoria.
O
homem não se define somente pelo trabalho, mas também pelo jogo. Não só as crianças,
como também os adultos gostam de jogar. Por isso vemos partidas de futebol. Nós
somos Homo ludens, além de Homo economicus. Não vivemos só em função do interesse
econômico. Há, também, o homo mitologicus, isto é, vivemos em função de mitos e
crenças.
Enfim
o homem é prosaico e poético. Como dizia Hölderling: “O homem habita poeticamente
na terra, mas também prosaicamente e se a prosa não existisse, não poderíamos
desfrutar da poesia”.
A Compreensão Humana.
O
quarto aspecto é sobre a compreensão
humana. Nunca se ensina sobre como compreender uns aos outros, como compreender
nossos vizinhos, nossos parentes, nossos pais. O que significa
compreender?
A palavra compreender vem do latim,
compreendere, que quer dizer: colocar junto todos os elementos de explicação,
ou seja, não ter somente um elemento de explicação, mas diversos. Mas a
compreensão humana vai além disso, porque, na realidade, ela comporta uma parte
de empatia e identificação. O que faz com que se compreenda alguém que chora,
por exemplo, não é analisar as lágrimas no microscópio, mas saber o significado
da dor, da emoção. Por isso, é preciso compreender a compaixão, que significa
sofrer junto. É isto que permite a verdadeira comunicação humana.
A
grande inimiga da compreensão é a falta de preocupação em ensiná-la. Na realidade,
isto está se agravando, já que o individualismo ganha um espaço cada vez maior.
Estamos vivendo numa sociedade individualista, que favorece o sentido de responsabilidade
individual, que desenvolve o egocentrismo, o egoísmo e que, consequentemente,
alimenta a autojustificação e a rejeição ao próximo.
A
raiva leva à vontade de eliminar o outro e tudo aquilo que possa aborrecer. De certa
maneira, isto favorece ao que os ingleses chamam de self-deception, isto é,
mentir a si mesmo, pois o egocentrismo vai tramando sempre o negativo e
esquecendo dos outros elementos.
A
redução do outro, a visão unilateral e a falta de percepção sobre a
complexidade humana são os grandes empecilhos da compreensão. Outro aspecto da
incompreensão é a indiferença. E, por este lado, é interessante abordar o
cinema, que os intelectuais tanto acusam de alienante. Na verdade, o cinema é
uma arte que nos ensina a superar a indiferença, pois transforma em heróis os
invisíveis sociais, ensinando-nos a vê-los por um outro prisma. Charlie
Chaplin, por exemplo, sensibilizou platéias inteiras com o personagem do
vagabundo. Outro exemplo é Coppola, que popularizou os chefes da Máfia com “O
Chefão”. No teatro, temos a complexidade dos personagens de Shakspeare: reis, gangsters,
assassinos e ditadores. No cinema, como na filosofia de Heráclito: “Despertados,
eles dormem”. Estamos adormecidos, apesar de despertos, pois diante da realidade
tão complexa, mal percebemos o que se passa ao nosso redor.
Por
isso, é importante este quarto ponto: compreender não só os outros como a si mesmo,
a necessidade de se auto-examinar, de analisar a autojustificação, pois o mundo
está cada vez mais devastado pela incompreensão, que é o câncer do
relacionamento entre os seres humanos.
A
Incerteza.
O
quinto aspecto é a incerteza. Apesar de,
nas escolas, ensinar-se somente as certezas, como a
gravitação de Newton e o eletromagnetismo, atualmente a ciência tem abandonado
determinados elementos mecânicos para assimilar o jogo entre certeza e incerteza,
da micro-física às ciências humanas. É necessário mostrar em todos os domínios,
sobretudo na história, o surgimento do inesperado. Eurípides dizia no fim de
três de suas tragédias que: “os deuses nos causam grandes surpresas, não é o
esperado que chega e sim o inesperado que nos acontece”. É a velha idéia de
2.500 anos, que nós esquecemos sempre.
As
ciências mantêm diálogos entre dados hipotéticos e outros dados que parecem mais
prováveis. Os processos físicos, assim como outros também, pressupõem variações
que nos levam à desordem caótica ou à criação de uma nova organização, como nas
teorias sobre a incerteza de Prigogine, baseadas nos exemplos dos turbilhões de
Born. Analisando retroativamente a história da vida, constata-se que ela não
foi linear, que não teve uma evolução de baixo para cima. A evolução segundo
Darwin foi uma evolução composta de ramificações, a exemplo do mundo vegetal e
o mundo animal.
O
homem vem de uma dessas ramificações e conseguiu chegar à consciência e à inteligência,
mas não somos a meta da evolução, fazemos parte desse processo. A história da
vida foi, na verdade, marcada por catástrofes.
No
fim da era secundária, a queda do asteróide que matou os dinossauros e ressecou
a vegetação desses animais enormes, matando-os de fome deu oportunidade à proliferação
dos mamíferos. Assim também ocorreu com as sociedades humanas. Todas sofreram o
colapso por uma razão ou outra. Nem mesmo o império romano, que parecia eterno,
conseguiu sobreviver. As sociedades andinas, que eram mais potentes que seus colonizadores
espanhóis e cujas capitais eram muita mais ricas que Paris, Madri ou Lisboa, foram
destruídas por espanhóis que chegaram com cavalos e armas desconhecidas.
As
duas guerras mundiais destruíram muito na metade do século XX, depois da Primeira Guerra
Mundial. Três grandes impérios da época, por exemplo, o romano-otomano, o
austro-húngaro e o soviético, desapareceram. Isto nos demonstra a necessidade
de ensinar o que chamamos de ecologia da ação: a atitude que se toma quando uma
ação é desencadeada e escapa ao desejo e às intenções daquele que a provocou,
desencadeando influências múltiplas que podem desviá-la até para o sentido
oposto ao intencionado.
A
história humana está repleta de exemplos dessa natureza. O mais evidente no final
do século XX foi o projeto político de Gorbatchev, que pretendeu reformar o
sistema político da União Soviética, mas acabou provocando o começo de sua
própria
desagregação e
implosão.
Assim
tem acontecido em todas as etapas da história. O inesperado aconteceu e acontecerá,
porque não temos futuro e não temos certeza nenhuma do futuro. As previsões não
foram concretizadas, não existe determinismo do progresso. Os espíritos,
portanto, têm que ser fortes e armados para enfrentarem essa incerteza e não se
desencorajarem.
Essa
incerteza é uma incitação à coragem. A aventura humana não é previsível, mas o
imprevisto não é totalmente desconhecido. Somente agora se admite que não se conhece
o destino da aventura humana. É necessário tomar consciência de que as futuras
decisões devem ser tomadas contando com o risco do erro e estabelecer
estratégias que possam ser corrigidas no processo da ação, a partir dos
imprevistos e das informações que se tem.
A Condição Planetária.
O sexto aspecto é a condição planetária, sobretudo na era da
globalização no século XX – que começou, na verdade no século XVI com a
colonização da América e a interligação de toda a humanidade. Esse fenômeno que
estamos vivendo hoje, em que tudo está conectado, é um outro aspecto que o
ensino ainda não tocou, assim como o planeta e seus problemas, a aceleração
histórica, a quantidade de informação que não conseguimos processar e
organizar.
Este
ponto é importante porque existe, neste momento, um destino comum para todos os
seres humanos. O crescimento da ameaça letal se expande em vez de diminuir: a ameaça
nuclear, a ameaça ecológica, a degradação da vida planetária. Ainda que haja
uma tomada de consciência de todos esses problemas, ela é tímida e não conduziu
ainda a nenhuma decisão efetiva. Por isso, faz-se urgente a construção de uma
consciência planetária.
Conhecer
o nosso planeta é difícil: os processos de todas as ordens – econômicos, ideológicos
e sociais – estão de tal maneira imbricados e são tão complexos, que compreendê-los
é um verdadeiro desafio para o conhecimento. Ortega y Gasset dizia: “não sabemos
o que acontece, isto é o que acontece”.
É
necessária uma certa distância em relação ao imediato para podermos compreendê-lo.
E, atualmente, dada a aceleração e a complexidade do mundo, é quase impossível.
Mas, faz-se necessário ressaltar, é esta a dificuldade. É necessário ensinar
que não é suficiente reduzir a um só a complexidade dos problemas importantes
do planeta, como a demografia, ou a escassez de alimentos, ou a bomba atômica,
ou a ecologia. Os problemas estão todos amarrados uns aos outros. Daqui para frente, existem, sobretudo, os
perigos de vida e morte para a humanidade, como a ameaça da arma nuclear, como
a ameaça ecológica, como o desencadeamento dos nacionalismos acentuados pelas
religiões. É preciso mostrar que a humanidade vive agora uma comunidade de
destino comum.
A Antropo-ética.
O
último aspecto é o que vou chamar de
antropo-ético, porque os problemas da moral e da ética diferem a
depender da cultura e da natureza humana. Existe um aspecto individual, outro
social e outro genético, diria de espécie. Algo como uma trindade em que as
terminações são ligadas: a antropo-ética. Cabe ao ser humano desenvolver, ao
mesmo tempo, a ética e a autonomia pessoal (as nossas responsabilidades
pessoais), além de desenvolver a participação social (as responsabilidades sociais),
ou seja, a nossa participação no gênero humano, pois compartilhamos um destino
comum.
A
antropo-ética tem um lado social que não tem sentido se não for na democracia, porque
a democracia permite uma relação indivíduo-sociedade e nela o cidadão deve se sentir
solidário e responsável. A democracia permite aos cidadãos exercerem suas responsabilidades
através do voto. Somente assim é possível fazer com que o poder circule, de
forma que aquele que foi uma vez controlado, terá a chance de controlar. Porque
a democracia é, por princípio, um exercício de controle.
Não
existe, evidentemente, democracia absoluta. Ela é sempre incompleta. Mas sabemos
que vivemos em uma época de regressão democrática, pois o poder tecnológico agrava
cada vez mais os problemas econômicos. Na verdade, o é importante orientar e guiar
essa tomada de consciência social que leva à cidadania, para que o indivíduo
possa exercer sua responsabilidade.
Por
outro lado, a ética do ser humano está se desenvolvendo através das associações
não-governamentais, como os Médicos Sem Fronteiras, o Greenpeace, a Aliança
pelo Mundo Solidário e tantas outras que trabalham acima de entidades
religiosas, políticas ou de Estados nacionais, assistindo aos países ou às
nações que estão sendo ameaçadas ou em graves conflitos. Devemos conscientizar
a todos sobre essas causas tão importantes, pois estamos falando do destino da
humanidade.
Seremos
capazes de civilizar a terra e fazer com que ela se torne uma verdadeira pátria?
Estes são os sete saberes necessários ao ensino. E não digo isso para modificar
programas. Na minha opinião, não temos que destruir disciplinas, mas sim
integrá-las, reuni-las em uma ciência como, por exemplo, as ciências da terra
(a sismologia, a vulcanologia, a meteorologia), todas elas articuladas em uma
concepção sistêmica da terra.
Penso
que tudo deva estar integrado para permitir uma mudança de pensamento; para que
se transforme a concepção fragmentada e dividida do mundo, que impede a visão total
da realidade. Essa visão fragmentada faz com que os problemas permaneçam invisíveis
para muitos, principalmente para muitos governantes.
E
hoje que o planeta já está, ao mesmo tempo, unido e fragmentado, começa a se desenvolver
uma ética do gênero humano, para que possamos superar esse estado de caos e começar,
talvez, a civilizar a terra.
Texto postado na Aula 5, Estágio IV, Curso de Matemática 2012.1 UAB/ IFCE
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